quarta-feira, 24 de outubro de 2012

CÈ SABE ONDE EU NASCI...FEDORENTO?


             Boa música. Chopp gelado. Pinguinha suave. Excelente começo de noite.

            Daqui a um pouco chega meu amigo Américo. “Grande José Américo”; saúdo-o. José Américo, Américo, ou a dada hora, apenas Zé, é meu amigo do  colegial. Foi com ele que dei as primeiras baforadas num Hollywood (um vinte – “Sabe o que é isso?” Bom, o Ministério da Saúde adverte que devo parar esse papo por aqui).

            Américo, sempre tão espirituoso, estava caladão. Cara fechada, mas respondeu ao meu aceno e chamado e veio sentar comigo. Sem qualquer cumprimento chamou o Arlindo, nosso prestativo garçom, e pediu (sem perguntar do que se tratava) para trazer uma bebida igual a minha.

            Apesar do meu espírito etílico nacional, e do respeito às espécimes mineiras, num arroubo de nordestinidade deliciava-me com uma Mangueira (novamente em atenção ao Ministério da Saúde e frisando que eu e o Zé Américo andávamos de táxi, deixo de prestar maiores informações sobre essa fina flor do Castelo do Piauí). Arlindo trouxe a Mangueira e mal a serviu e o Zé a entornou.

            Enquanto lhe serviam outra perguntei ao amigo: “O que está havendo? Algum problema no hospital (Américo é Proctologista – se o amigo precisar, recomendo)? Brigou com a Maria José...?”

            Depois de sorver o néctar e de um longo silêncio, abriu a boca.

            “Hoje a tarde sai mais cedo do hospital e fui comprar o presente de aniversário da minha filha, com a Mazé. Ela está completando 15 anos e fomos encomendar umas rosas, uma grande cesta de café da manhã (a minha sogra é boa de boca e esta lá em casa) e comprar-lhe um netbook (assim acabam as brigas dela com o irmão)”. Tentei perguntar pelo Júnior (filho mais novo do Américo, e meu afilhado), mas ele não queria ser interrompido.

            “Quando vinha voltando pra casa, em plena Antônio Sales, sinalizei pedindo para mudar de faixa – o outro carro vinha longe – e depois de ter feito a conversão ouvi uma buzina,” Pensei com meus botões: “Tem gente que quer chegar na frente até um fila de enterro”. E o José Américo continuou: “Logo, logo, o carro que eu ultrapassara emparelhou com o meu e o motorista, baixando vidro do veículo começou a vociferar: – VOCÊ É LOUCO? “Quando tentei perguntar o motivo daquela pergunta/acusação ele disse que eu ultrapassara de forma irregular”. “Mas Carlos, eu sinalizei, Ele é que devia estar conversando com a mulher dele e não prestou atenção a minha seta pedindo passagem”,

            “Acontece”, tentei dizer. “Acontece é uma piromba”, continuou o Zé. “Olha, o sujeito continuou me seguindo e achando pouco – antes de me chamar para brigar (pra desespero da Mazé que quase teve um treco) – saiu brandindo com essas pérolas: “SÓ PODIA SER COISA DE CEARENSE. VOCÊS ERAM PRÁ ANDAR DE CARROÇA. EU SOU PAULISTA. POVO FEDORENTO”. E se mandou.

            Fez-se o silêncio. Sem saber o que dizer perguntei pela Mazé. Ela ficara em casa uma bruta enxaqueca.

            Tentei argumentar que o etnocentrismo não existe só aqui no Brasil e que maus motoristas por vezes acumulam este vício com a má educação. Embora quisesse alisar o pé do ouvido do biltre com um apagador, não podia botar mais lenha na fogueira.

            Nisso escuto: “Soy loco por ti América...”, no que pensei ser o Arlindo me homenageando com o Caetano. Não, era a Mazé ligando para o telefone do Américo.

           

sexta-feira, 8 de junho de 2012

GENTE QUE CHEGA, GENTE QUE VAI


No porto, aeroporto, heliporto, ou até no terminal de carga, o que importa é ser esperado. É bom sentir-se desejado como um bombom de cacau, mas com diz Drummond, também há encantos em “esperar alguém na estação”. O que importa é a conjugação do motivo com a emoção do momento.

            A ida pode até ter pouca graça, mas a chegada! Ela, tem seus encantos.

            Quem viaja com freqüência sabe a diferença entre ser ou não ser esperado. Sabe também distinguir a formalidade do encontro com o motorista da empresa na sala de espera dos aeroportos, do ôba-ôba dos recepcionistas das agências de turismo (com suas “discretas” plaquinhas), do abraço de um amigo, dos parentes dos ou de um amor. Quem nunca sentiu uma pontinha de inveja ao testemunhar aquele beijo cinematográfico no saguão do Galeão? “Morde aqui, pra ver se sai coca-cola!” Claro que você queria estar no lugar dele (ou dela). Além do beijo, aquelas flores. Pensa que não vi o seu olhar de desejo?

            Mas não se pode desconsiderar a tranqüilidade do ir e vir sem ter que dar satisfações a ninguém. Nada daquela chatice de gente chorando (melecando a aba do terno novinho – e você lembrando do preço da lavanderia, do trânsito que ia ter que enfrentar), tapinha nas costas e, o tradicional: – “Volte em breve”. Ou,  – “Vamos ficar lhe aguardando para comer uma caranguejada” (e você morre de medo-nojo do “petisco”, tendo que sorrir).

Tem de tudo nessas idas e vindas. Cansaço, tesão, primo chato que merece um bofetão, sempre falando e pegando em você. Tem pra todos os gostos. O lado bom do ir e vir das “estações” está nas diferenças, sem isso as viagens seriam todas iguais.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Humanidades: essa incógnita

Dia desses estava lendo um livro num banco da Praça da Gentilândia (em Fortaleza/CE-BR) quando fui abordado por um senhor levemente trôpego. O gajo perguntou-me se podia sentar ao meu lado. Em que pese o seu hálito etílico, assenti.
Uma vez sentado o homem quis saber o que eu estava lendo, ao que respondi ser uma coletânea de contos do Domingos Pelegrini. Olhando-me nos olhos ele me disse: “Já sei, é professor”. E “lascou” uma pergunta: “Porque é que tem gente que acha que eu não sou gente; humano?”. Conversamos um pouco sobre o assunto e depois seguimos cada um o seu caminho.
Na Universidade comecei a refletir sobre a da pergunta do meu amigo anônimo. E fiquei brincando com as palavras: “Humano-homem-Humanidades...”. Foi assim, passeando pela Internet, que topei com os Encontros Ateístas e Humanistas de Lisboa (http://encontros.humanismosecular.org/). Lembrei que um amigo, Psicólogo, dissera-me estar fazendo “formação” em Humanismo. Doutra sorte, sabemos que nas Universidades costuma-se ter Centros de Humanidades.
 No cotidiano, ouço e leio coisas espantosas acerca do que se usou chamar de humano. Às vezes chego a pensar – como o marcianinho da revista Status – que pousei no planeta errado. Diz-se: “Seja mais humano cara, deixa o cachorro em paz”; “Precisamos humanizar esse ambiente”; “O Chico é um ser humano de primeira”; “Essa história de brigas raciais já passou da conta”.
É sobre um imenso caldo cultural que se debruçam os que fazem do cotidiano (passado ou presente) o objeto de sua expertise, analisado-o segundo as contribuições teórico-metodológicas da sua eleição. Somos (Sociólogos, Psicólogos, Juristas, Antropólogos, Assistentes Sociais, Linguistas etc), lato sensu, humanistas. Assim, o sentido primitivo de Humanismo – inicialmente ligado ao cristianismo – foi perdendo-se no curso da história, passando a ser encarado como um saber laico e às vezes anticlerical.
A síntese dessa nossa conversa, que não pude transmitir ao meu colega de banco de praça, é que não há de se falar em gradação de humanidade, também é incoerente falar em humanos de raças diferentes, tampouco dizer de espaços não humanos – entre humanos.
Cá pra nós, também é preciso que se diga que os múltiplos olhares humanísticos têm relação com o fato de que nossas fronteiras estão em permanente movimento (quanto aos objetos e as teorias com que tentamos apreendê-los). Importante salientar também que em Humanidades há fixos e fluxos (há métodos de pesquisa e teorias mais duradouros, mas há novas formas de olhar e interpretar os objetos surgindo a cada momento).

Nos anos 1980 considerávamos um avanço poder analisar um objeto por vários ângulos – era o tempo da multidisciplinaridade. Passados alguns anos nos dispúnhamos a intercambiar saberes para analisarmos determinado objeto – era o momento da interdisciplinaridade. Hoje, nos atrevemos a uma tarefa ainda mais difícil – analisar simultaneamente determinado objeto com várias contribuições, formando um todo acadêmico que se lança inclusive para além das Humanidades – a isso chamamos de transdisciplinaridade.
Creio que o meu amigo do banco da Praça de Gentilândia terá dificuldade em captar todo o conteúdo desse texto, mas ele tem razão: “É tão humano quanto este escriba e seus gentis leitores”, por isso cabe-nos –  acadêmicos ou não – lutar pela dignificação da sua vida, bem como dos sem teto, dos sem terra, dos meninos e meninas de rua, dos catadores e de todos os demais desvalidos que compõem conosco e com os demais atores sociais o nosso tecido humano. Isso é o Humanismo saindo da teoria para agir politicamente sobre a sociedade que estuda.

domingo, 24 de outubro de 2010

BIOGRAFIAS: o que se pode esconder?

Gosto muito de ler biografias, elas são uma forma eficiente de tentar conhecer uma personalidade, enfatizando o seu habitat (aqui expressos: sua cultura, seu tempo e suas interlocuções).
Ao ler a obra de um autor sempre sugiro aos meus alunos que procurem conhecer a “história de vida**” deste. Conhecer o autor é um passo importante para interpretar a sua obra.
Frequentemente as grandes editoras estão publicando biografias de pessoas que se destacam ou destacaram em suas áreas de atuação (artistas, escritores, acadêmicos, políticos etc.). As editoras mais zelosas com o seu trabalho trazem – às vezes nas orelhas do livro – alguns dados biográficos do autor daquela obra. Em coleções ou coletâneas é parte integrante da organização da obra a disponibilização aos leitores de dados biográficos do autor.
Quando a biografia assume ares de autobiografia é possível que o biografado faça certas concessões a sua própria história. A supressão de informações ou perspectivas da “história de vida” de uma personalidade pública – principalmente quando feita a pedido deste ou pelo próprio biografado – constitui um dano à interpretação que a sociedade venha a fazer daquela pessoa.
Todos sabemos que político não é profissão – menos alguns políticos que fazem dessa atividade, de real importância para a sociedade, o que meus conterrâneos da zona rural chamam de: “meio de vida”. Estes não fazem das suas vida um meio para oportunizar uma vida melhor à sociedade. Assim, suas vidas não podem ser tão transparentes.
Nesta eleição presidencial temos que analisar duas biografias (a de Dilma Rousseff e de José Serra). Os partidos políticos têm um dever cívico de não omitir à população brasileira fatos da história de vida de seus candidatos. Entretanto, como vimos acima, os biografados às vezes são os primeiros a omitir fatos, digamos, comprometedores, de suas biografias.
Poderia parecer estranho que o PSDB fique a “futricar” em torno da participação de Dilma na luta armada. Ora, o PSDB tem em seus quadros alguns militantes que também participaram da luta armada contra a ditadura. Ocorre, que para um partido que tem como principal aliado o DEM (ex- ARENA, ex-PDS, ex-PFl) não ficava bem realçar este tipo de atitude de enfrentamento da ditadura militar na história de alguns dos seus filiados. Como dizem os amigos dos meus filhos: “assim não se ficaria bem na fita”.
No início da ditadura militar José Serra era militante do movimento estudantil (chegando a Presidente da UNE). Como em todo regime ditatorial (quer de direita, quer de esquerda) a burguesia nacional e os militares brasileiros não conviviam bem com a democracia (os que morreram ou perderam colegas, amigos e parentes nos porões da ditadura, me desculpem pelo eufemismo ) e passaram a perseguir – mas de modos distintos – quem se opunha ao novo regime.
É preciso que se saiba que José Serra se auto-exilou no Chile e depois no mais célebre teatro do capitalismo: os Estados Unidos da América. Serra, ao contrário de Chico Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Betinho (que buscaram o exílio como forma de garantir a própria sobrevivência e/ou existência – física, psíquica, ideológica etc.), buscou o exílio como quem procura um “ano sabático***” Em resumo: Serra não representava “perigo” para os militares e para a burguesia nacionais – isto explica a sua aliança com o DEM (inclusive na Prefeitura e no Governo de São Paulo) e outros partidos que comungam de ideais excludentes e exclusivistas – durante muito tempo resumidas como: “de direita”.
Dilma Rousseff não é santa, e nem está concorrendo à canonização. Não se pode em um País tão desigual como o nosso agir de forma equivocadamente moralista como fez o Nobel da Paz ao agraciar com essa honraria o hoje Presidente do Timor Leste – Ramos Horta – e o Bispo Dom Belo (1996): “por seu trabalho para uma solução pacífica e conjunta para o conflito no Timor Leste”. Excluindo da premiação o hoje Primeiro Ministro e Ex-Presidente do Timor Leste, o poeta-guerrilheiro Xanana Gusmão – porque pegou em armas contra a ditadura imposta pela Indonésia. Sem Xanana não teria ocorrido a vitória ali celebrada. Xanana foi tão importante para o Timor Leste quanto Nelson Mandela (Premio de 1993) para a África do Sul.
Dilma Rousseff participou da luta armada por acreditar na democracia popular. Foi presa, torturada, impedida de exercer direitos políticos durante toda a duração da ditadura. Sem precisar dos holofotes da ribalta Dilma vem ajudando o Brasil a construir uma Nação para os brasileiros – não apenas para os grandes interesses nacionais e internacionais. Um Brasil pra gente!
É possível construir um Estado voltado exclusivamente para as classes dominantes – FHC assim como os governos militares fizeram isso. Também é possível construir um Estado que faça “opção preferencial” – embora não exclusiva – “pelos pobres”; é isto o que o PT e seu arco de alianças vêm fazendo no Brasil, mas essa onda inclusiva não pode parar.

** Conceito de Jürgen Habarmas,
*** Forma de aperfeiçoamento acadêmico, redefinição de paradigmas ou estudo/pesquisa.

domingo, 17 de outubro de 2010

É FIM DO MÊS

Há vários motivos para que eu esteja preocupado com o fim do mês. Não apenas como dizia o “maluco beleza”: “Fim do mês, é fim do mês, do fim do mês, já sô freguês é fim do mês, é fim do mês, é fim do Mês!” (pra matar a saudade veja-O no youtube). Entretanto, este mês, minhas preocupações como a de muitos brasileiros está relacionado com o resultado das urnas em 31 de outubro próximo; por isto uso dessa tarde sábado para não dormir em “berço esplêndido” – ou no trono – “esperando a morte chegar” (de novo, Raul).
Uma vantagem de ter mais de 50 (embora o Marcos Vale já tenha dito para não confiar “em ninguém com mais de trinta anos”) e ainda ter boa memória (graças a não ter sido visitado pelo “alemão” – como diz um amigo pernambucano se referindo ao Mal de Alzheimer) é lembrar o quanto era inconveniente viver num país não democrático. E foi por isso que fiquei preocupado ou saber que alguns estudantes no IFCE de Fortaleza discutiam as próximas eleições com base em suas crenças religiosas, no culto à desinformação (“achismo”, “rádio corredor”, programa eleitoral difamador – ou como se quiser chamar) e na falta de conhecimento cívico (tendo um deles defendido a ditadura como solução).
A professora que me contou o episódio acima narrado e me instigou a escrever sobre o tema (eleições 2010) deu uma lição de História à molecada (pois apesar de mais jovem que este escriba viveu parte do regime militar em nosso país) ao dizer-lhes: “Num regime ditatorial essa conversa poderia ser enquadrada como atividade subversiva e punível segundo a Lei de Segurança Nacional”.
É deveras perigoso que parte da juventude não consiga fazer a distinção valorativa entre a democracia e a ditadura. Isso esbarra em alguns equívocos, por exemplo, transformar a disputa eleitoral em curso em algo como: “Você é contra ou a favor do aborto ou da união homossexual?”. O Brasil (desde 1891 – logo não é “invencionice” do Lula) é um Estado laico. Isto quer dizer que é o povo, por meio de seus representantes – crentes, ateus e agnósticos – quem deve decidir sobre os interesses da Nação. Na democracia é o Estado (e não o governo) quem decide sobre temas relacionados aos direitos fundamentais (a vida é um direito fundamental). Assim, não importa o que um governante pense particularmente sobre o aborto, mas o que os parlamentares pensam sobre o assunto.
É necessário que o eleitor tenha em mente que a existência da Lei do Divórcio não obriga ninguém a se divorciar (muito menos a casar). Por outro lado, não são apenas os ateus e agnósticos que se divorciam no Brasil. Aos que defendem o “não matarás” como único código de conduta é importante salientar que às vezes o Código Penal Brasileiro (CPB) é mais incisivo em relação a isso; como, por exemplo, ao dizer, no começo (caput) do Art. 121: “Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos”.
Parece-me que a questão aborto – na perspectiva estatal – precisa ser tratada como questão de saúde pública – assim como as diversas formas de drogadição e o crescimento do número de suicídios. Ao lado disso, vale a pena observar que são as mulheres pobres as principais vitimas do aborto ilegal (quando não for originado por uma gravidez decorrente de estupro ou que a continuidade compromete a vida gestante – Art. 128 do CPB).
Alguns dos meus ex-alunos de Direito da Criança e do Adolescente defendiam a pena de morte ou o rebaixamento da idade penal. Todos, por sermos humanos, somos sujeitos a falhas. Seria correto imaginar que por uma falta grave alguém deveria morrer? Éramos assim até o século XIX no Brasil (inclusive condenando inocentes à morte), época em que apenas as crianças menores de 9 anos de idade eram inimputáveis. Devemos andar para traz, lhes perguntava?
No Brasil todos estão sujeitos às penas da lei e ao pagamento de tributos. É correto que alguém só tenha deveres? Creio que a resposta seja: “Não”. Uma vez que todos no país têm direito à vida, à saúde, à educação, ao acesso à Justiça, a um julgamento justo, a trabalhar e aos direitos oriundos do trabalho, a constituir família etc. porque negar esses direitos a negros, indígenas, mulheres, pobres, sem-terra, homossexuais? Ora, parece que alguns só querem negar alguns desses direitos aos casais homossexuais. Até parece que, uma vez que não os podem queimar na fogueira da inquisição ou enforcá-los – como ainda se faz em algumas culturas – estes querem lhes negar o direito a constitui uma família. Será isso humano, justo, cristão?
Ao votar em deputados federais e senadores o eleitor deve ter escolhido aqueles que irão defender os seus interesses e crenças, logo alguns “perigos” parece estar afastados; não é?!. Entretanto, o fato de alguém pensar diferente – numa democracia – não implica no direito ao seu extermínio – exceto pelas urnas. É somente pelo voto que determinado modo de ver a vida social pode ser “extirpado”: como um câncer. Isso, porque não adianta travestir de democrata quem fez história no como da ditadura (ARENA, PDS, PFL, DEM).
Aos mais jovens ou de memória seletiva vale lembrar que o PT sempre foi um aguerrido defensor da vida e das minorias. Ao alçar à condição de ministério a Secretaria Especial de Direitos Humanos (antes estava subordinada ao Ministério da Justiça) e criar, com status de ministério a Secretaria de Políticas para as Mulheres, o Presidente Lula estava deixando claro o seu compromisso com a defesa da vida e da qualidade de vida.
Dilma Rousseff durante toda a sua trajetória política sempre defendeu a vida. Ao ir para a luta armada ela não estava defendendo a morte dos militares e da classe dominante que os aparelhou para impedir a reforma agrária e as demais “reformas de base”, mas a democracia que nos havia sido roubada. A militância política não é construída apenas com a participação como candidato a cargo eletivo, mas com a expressão pública de uma opção política, com a construção de plataformas de ação para os candidatos que apoiamos, e com a assunção ética das missões político-admistrativas que granjeamos. Essa poderia ser a biografia sintética de Dilma Rousseff.
Quanto a suposta inexperiência de Dilma Rousseff (vale a pena ver: http://pt.wikipedia.org/wiki/Dilma_Rousseff#Pris.C3.A3o) é importante lembrar que Lula só havia exercido um mandato como Deputado Federal (Constituinte de 1988) e suas experiências administrativas se resumiam ao sindicato dos metalúrgicos do ABC e ao PT. Entretanto, este metalúrgico de poucas letras e muita luz tem realizado uma revolução na educação brasileira – em rodos os níveis.
Para os “meninos” do IFCE/Fortaleza uma informação: Em 2002 haviam 140 escolas de educação profissional federais no Brasil (Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica), em 2010 chegamos a 380 dessas escolas. Isso é democracia e socialização do saber.

sábado, 3 de abril de 2010

Sal puro

O processo de formação econômica do povo brasileiro foi construído pela exclusão de boa parte da nação – o que poderia ter sido desenvolvimento foi, no máximo, progresso.
Dos modelos de acumulação pré-capitalista à contemporaneidade vemos a concentração de recursos econômicos, intelectuais, sociais e culturais nos grandes centros urbanos do Sudeste e Sul do país. Isso vem sendo historicamente responsável por altos índices de migração interna, principalmente do Norte e Nordeste do país para aquelas regiões, em busca de qualidade de vida.
Ocorre que à medida que as cidades sofrem um verdadeiro inchaço aquelas condições aparentemente mais favoráveis não são mais capazes de ser socializadas para todos. Assim, há hospitais, mas faltam leitos e profissionais suficientes para dar conta da demanda. Não há postos de trabalho para todos. A educação sofre com a afetação da sua qualidade e padece com o crescimento da demanda reprimida. O trânsito assume uma feição caótica. Cresce a violência e a insegurança.
O que nem sempre se leva em conta é que a distribuição da riqueza é fator natural de freio à excessiva migração; se há condições satisfatórias de trabalho, moradia, saúde, educação e lazer em cada região, para que migrar?
A nacionalidade é uma construção. Assim, embalado pelo bordão “o petróleo é nosso” viu-se crescer no Brasil um sentimento de nacionalidade poucas vezes vislumbrado. Por outro lado, numa amorosidade somente comparável ao futebol, brasileiros de todas as classes, faixas etárias e etnias nutrem um sentimento de pertença em relação à Petrobras. Mesmo os que pouco sabem sobre a empresa e sobre a cadeia produtiva do petróleo acostumaram-se a ver nela um símbolo de brasilidade.
Quando da descoberta de petróleo no pré-sal a maioria dos brasileiros sequer era capaz de identificar o sentido dessa expressão ou as consequências disso em suas vidas. Porém, enquanto ainda nos apropriávamos de conhecimento acerca da extração dessa forma de energia capturada abaixo das camadas de sal, uma parte da classe brasileira se via às voltas com a discussão acerca da distribuição dos royalties que isto irá gerar.
Na esteira do debate sobre os royalties gerados a partir da extração de petróleo do pré-sal, o governo do Rio de Janeiro estimulou a realização de uma grande passeata (com cerca de 150.000 pessoas) que envolveu políticos, artistas e sociedade em geral contra a emenda do Dep. Ibisen Pinheiro (PMDB-RS). A emenda, aprovada na Câmara dos Deputados, propõe a distribuição equitativa dos recursos auferidos através dos royalties pagos pela extração do pré-sal a todos os municípios brasileiros. Frise-se que um dos bordões da passeata foi a frase não mete a mão no meu petróleo.
Três questões me parecem merecer atenção acerca dessa questão: em primeiro lugar, de quem é o petróleo extraído do pré-sal? Em seguida, no que os recursos oriundos desses royalties podem ser aplicados? Por último, como se dará a distribuição dos royalties?
Sem dúvida o petróleo é do povo brasileiro. Logo, a aplicação desses royalties – via marco regulatório – deve contribuir para o desenvolvimento nacional (p. ex. investimentos em educação, saúde e infra-estrutura). Tal objetivo somente será minimante atingido se todos os estados da federação forem contemplados de maneira igualitária (pois se fosse haver uma distribuição equitativa apenas os estados mais pobres teriam direito de ser contemplados, como forma de redução das desigualdades regionais). Isto sim é pacto federativo.
Ainda acerca da emenda Ibisen Pinheiro, em nome da segurança jurídica, o Senado pode estabelecer – como casa revisora – que para os royalties hoje pagos por poços já em pleno uso poderá ser estabelecido um prazo – algo não superior a uma década – para que tudo se adapte ao novo modelo.
É defensável que o Rio de Janeiro continue lindo, mas não à custa do abandono do sentido de nacionalidade. Em síntese: se o pré-sal é nosso (do Brasil) todos ganham, mas se ele é apenas de alguns, apenas os mesmos continuam a ganhar e podemos continuar vivendo felizes com o nosso pacto desfederativo; nada doce.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Qualquer coisa

Há algumas coisas que nada, ou muito pouco, mudam com o correr do tempo. Lembras da pergunta torturante quando estávamos frente a frente com o carrinho de sorvete: – Picolé de que, menino? Diante da grande variedade de sabores e do calor abrasador a resposta, às vezes, era: – De qualquer coisa.
Chegando à adolescência – na correria que se instala nessa idade – às vezes aquela pergunta era substituída por um: – O que você quer jantar, meu filho? Em resposta, um qualquer coisa que mais parece propaganda de macarrão (feijão-arroz-bife; feijão-arroz-frango; feijão-arroz-peixe). É claro que o que definia o cardápio era a conta bancária (ou o caderno na bodega) do “freguês”, e não a preferência comensal da filharada.
Creio que o lado bom dessa rotina do “qualquer coisa” é a possibilidade de existir alternativa na vida – praia ou serra, cinema ou teatro... Por outro lado, quando o “qualquer coisa” indica que não há diferença entre o roto e o rasgado a “coisa” aperta.
As coisas começam a complicar se a mulher perguntar ao marido: – Bem, o que você quer fazer hoje à noite? E ele responde: – Qualquer coisa.
A nossa sociedade exige-nos um grande número de decisões cotidianamente. Pintar ou não pintar o cabelo. Vestir jeans ou terno. Comer ou não comer em casa. Ir ao trabalho de carro, a pé, de bicicleta ou de ônibus. Etc., etc. etc. (sei que bastaria um, mas convenhamos, não tem o mesmo efeito).
Alguém pode vir e dizer-nos: – As opções que você apresenta são características de determinadas classes sociais. É verdade. Quem usa macacão, almoça no bandejão da fábrica e vai trabalhar de bicicleta não tem tantas opções das classes médias a sua disposição. Por outro lado, nem sempre a variedade de opções indica a existência de qualidades diferentes entre elas. Às vezes somos levados a optar entre o “pior” e o “menos ruim”. Nesses casos o que fazer?
Quando o assunto é política a inexistência de opção é um horror. Em tese, a política é a atividade humana que melhor nos define como seres da razão. Pela política apresentamos projetos; debatemos; divergimos; escolhemos. Essa é a essência da política, que vale da escolha da diretoria do “timão” à Presidência da República.
Em política não há de se esperar a existência de consenso como algo habitual, pois isso contraria a dinâmica das ações humanas, fundada na diversidade. Por outro lado, frequentemente encontramos políticos que não sabem conviver com a idéia de ter oposição; para alguns, a existência disso é até considerado como uma ofensa.
Na política nacional pós-regime militar estamos vivendo a ciranda da “governabilidade”. Em nome da “governabilidade” alguns partidos políticos fazem uma verdadeira “partilha” de cargos e valores nos orçamentos públicos. De coalizão em coalizão a política por vezes tem sido a apenas uma alteridade de “desrepresentação”.
Fique apavorado com o futuro quando ouvir eleitores dizerem: – Político é tudo a mesma coisa. Por outro lado, se concluir que isso é verdade: ajoelhe-se e reze (mesmo sendo ateu).