O processo de formação econômica do povo brasileiro foi construído pela exclusão de boa parte da nação – o que poderia ter sido desenvolvimento foi, no máximo, progresso.
Dos modelos de acumulação pré-capitalista à contemporaneidade vemos a concentração de recursos econômicos, intelectuais, sociais e culturais nos grandes centros urbanos do Sudeste e Sul do país. Isso vem sendo historicamente responsável por altos índices de migração interna, principalmente do Norte e Nordeste do país para aquelas regiões, em busca de qualidade de vida.
Ocorre que à medida que as cidades sofrem um verdadeiro inchaço aquelas condições aparentemente mais favoráveis não são mais capazes de ser socializadas para todos. Assim, há hospitais, mas faltam leitos e profissionais suficientes para dar conta da demanda. Não há postos de trabalho para todos. A educação sofre com a afetação da sua qualidade e padece com o crescimento da demanda reprimida. O trânsito assume uma feição caótica. Cresce a violência e a insegurança.
O que nem sempre se leva em conta é que a distribuição da riqueza é fator natural de freio à excessiva migração; se há condições satisfatórias de trabalho, moradia, saúde, educação e lazer em cada região, para que migrar?
A nacionalidade é uma construção. Assim, embalado pelo bordão “o petróleo é nosso” viu-se crescer no Brasil um sentimento de nacionalidade poucas vezes vislumbrado. Por outro lado, numa amorosidade somente comparável ao futebol, brasileiros de todas as classes, faixas etárias e etnias nutrem um sentimento de pertença em relação à Petrobras. Mesmo os que pouco sabem sobre a empresa e sobre a cadeia produtiva do petróleo acostumaram-se a ver nela um símbolo de brasilidade.
Quando da descoberta de petróleo no pré-sal a maioria dos brasileiros sequer era capaz de identificar o sentido dessa expressão ou as consequências disso em suas vidas. Porém, enquanto ainda nos apropriávamos de conhecimento acerca da extração dessa forma de energia capturada abaixo das camadas de sal, uma parte da classe brasileira se via às voltas com a discussão acerca da distribuição dos royalties que isto irá gerar.
Na esteira do debate sobre os royalties gerados a partir da extração de petróleo do pré-sal, o governo do Rio de Janeiro estimulou a realização de uma grande passeata (com cerca de 150.000 pessoas) que envolveu políticos, artistas e sociedade em geral contra a emenda do Dep. Ibisen Pinheiro (PMDB-RS). A emenda, aprovada na Câmara dos Deputados, propõe a distribuição equitativa dos recursos auferidos através dos royalties pagos pela extração do pré-sal a todos os municípios brasileiros. Frise-se que um dos bordões da passeata foi a frase não mete a mão no meu petróleo.
Três questões me parecem merecer atenção acerca dessa questão: em primeiro lugar, de quem é o petróleo extraído do pré-sal? Em seguida, no que os recursos oriundos desses royalties podem ser aplicados? Por último, como se dará a distribuição dos royalties?
Sem dúvida o petróleo é do povo brasileiro. Logo, a aplicação desses royalties – via marco regulatório – deve contribuir para o desenvolvimento nacional (p. ex. investimentos em educação, saúde e infra-estrutura). Tal objetivo somente será minimante atingido se todos os estados da federação forem contemplados de maneira igualitária (pois se fosse haver uma distribuição equitativa apenas os estados mais pobres teriam direito de ser contemplados, como forma de redução das desigualdades regionais). Isto sim é pacto federativo.
Ainda acerca da emenda Ibisen Pinheiro, em nome da segurança jurídica, o Senado pode estabelecer – como casa revisora – que para os royalties hoje pagos por poços já em pleno uso poderá ser estabelecido um prazo – algo não superior a uma década – para que tudo se adapte ao novo modelo.
É defensável que o Rio de Janeiro continue lindo, mas não à custa do abandono do sentido de nacionalidade. Em síntese: se o pré-sal é nosso (do Brasil) todos ganham, mas se ele é apenas de alguns, apenas os mesmos continuam a ganhar e podemos continuar vivendo felizes com o nosso pacto desfederativo; nada doce.