Há algumas coisas que nada, ou muito pouco, mudam com o correr do tempo. Lembras da pergunta torturante quando estávamos frente a frente com o carrinho de sorvete: – Picolé de que, menino? Diante da grande variedade de sabores e do calor abrasador a resposta, às vezes, era: – De qualquer coisa.
Chegando à adolescência – na correria que se instala nessa idade – às vezes aquela pergunta era substituída por um: – O que você quer jantar, meu filho? Em resposta, um qualquer coisa que mais parece propaganda de macarrão (feijão-arroz-bife; feijão-arroz-frango; feijão-arroz-peixe). É claro que o que definia o cardápio era a conta bancária (ou o caderno na bodega) do “freguês”, e não a preferência comensal da filharada.
Creio que o lado bom dessa rotina do “qualquer coisa” é a possibilidade de existir alternativa na vida – praia ou serra, cinema ou teatro... Por outro lado, quando o “qualquer coisa” indica que não há diferença entre o roto e o rasgado a “coisa” aperta.
As coisas começam a complicar se a mulher perguntar ao marido: – Bem, o que você quer fazer hoje à noite? E ele responde: – Qualquer coisa.
A nossa sociedade exige-nos um grande número de decisões cotidianamente. Pintar ou não pintar o cabelo. Vestir jeans ou terno. Comer ou não comer em casa. Ir ao trabalho de carro, a pé, de bicicleta ou de ônibus. Etc., etc. etc. (sei que bastaria um, mas convenhamos, não tem o mesmo efeito).
Alguém pode vir e dizer-nos: – As opções que você apresenta são características de determinadas classes sociais. É verdade. Quem usa macacão, almoça no bandejão da fábrica e vai trabalhar de bicicleta não tem tantas opções das classes médias a sua disposição. Por outro lado, nem sempre a variedade de opções indica a existência de qualidades diferentes entre elas. Às vezes somos levados a optar entre o “pior” e o “menos ruim”. Nesses casos o que fazer?
Quando o assunto é política a inexistência de opção é um horror. Em tese, a política é a atividade humana que melhor nos define como seres da razão. Pela política apresentamos projetos; debatemos; divergimos; escolhemos. Essa é a essência da política, que vale da escolha da diretoria do “timão” à Presidência da República.
Em política não há de se esperar a existência de consenso como algo habitual, pois isso contraria a dinâmica das ações humanas, fundada na diversidade. Por outro lado, frequentemente encontramos políticos que não sabem conviver com a idéia de ter oposição; para alguns, a existência disso é até considerado como uma ofensa.
Na política nacional pós-regime militar estamos vivendo a ciranda da “governabilidade”. Em nome da “governabilidade” alguns partidos políticos fazem uma verdadeira “partilha” de cargos e valores nos orçamentos públicos. De coalizão em coalizão a política por vezes tem sido a apenas uma alteridade de “desrepresentação”.
Fique apavorado com o futuro quando ouvir eleitores dizerem: – Político é tudo a mesma coisa. Por outro lado, se concluir que isso é verdade: ajoelhe-se e reze (mesmo sendo ateu).