domingo, 24 de outubro de 2010

BIOGRAFIAS: o que se pode esconder?

Gosto muito de ler biografias, elas são uma forma eficiente de tentar conhecer uma personalidade, enfatizando o seu habitat (aqui expressos: sua cultura, seu tempo e suas interlocuções).
Ao ler a obra de um autor sempre sugiro aos meus alunos que procurem conhecer a “história de vida**” deste. Conhecer o autor é um passo importante para interpretar a sua obra.
Frequentemente as grandes editoras estão publicando biografias de pessoas que se destacam ou destacaram em suas áreas de atuação (artistas, escritores, acadêmicos, políticos etc.). As editoras mais zelosas com o seu trabalho trazem – às vezes nas orelhas do livro – alguns dados biográficos do autor daquela obra. Em coleções ou coletâneas é parte integrante da organização da obra a disponibilização aos leitores de dados biográficos do autor.
Quando a biografia assume ares de autobiografia é possível que o biografado faça certas concessões a sua própria história. A supressão de informações ou perspectivas da “história de vida” de uma personalidade pública – principalmente quando feita a pedido deste ou pelo próprio biografado – constitui um dano à interpretação que a sociedade venha a fazer daquela pessoa.
Todos sabemos que político não é profissão – menos alguns políticos que fazem dessa atividade, de real importância para a sociedade, o que meus conterrâneos da zona rural chamam de: “meio de vida”. Estes não fazem das suas vida um meio para oportunizar uma vida melhor à sociedade. Assim, suas vidas não podem ser tão transparentes.
Nesta eleição presidencial temos que analisar duas biografias (a de Dilma Rousseff e de José Serra). Os partidos políticos têm um dever cívico de não omitir à população brasileira fatos da história de vida de seus candidatos. Entretanto, como vimos acima, os biografados às vezes são os primeiros a omitir fatos, digamos, comprometedores, de suas biografias.
Poderia parecer estranho que o PSDB fique a “futricar” em torno da participação de Dilma na luta armada. Ora, o PSDB tem em seus quadros alguns militantes que também participaram da luta armada contra a ditadura. Ocorre, que para um partido que tem como principal aliado o DEM (ex- ARENA, ex-PDS, ex-PFl) não ficava bem realçar este tipo de atitude de enfrentamento da ditadura militar na história de alguns dos seus filiados. Como dizem os amigos dos meus filhos: “assim não se ficaria bem na fita”.
No início da ditadura militar José Serra era militante do movimento estudantil (chegando a Presidente da UNE). Como em todo regime ditatorial (quer de direita, quer de esquerda) a burguesia nacional e os militares brasileiros não conviviam bem com a democracia (os que morreram ou perderam colegas, amigos e parentes nos porões da ditadura, me desculpem pelo eufemismo ) e passaram a perseguir – mas de modos distintos – quem se opunha ao novo regime.
É preciso que se saiba que José Serra se auto-exilou no Chile e depois no mais célebre teatro do capitalismo: os Estados Unidos da América. Serra, ao contrário de Chico Buarque de Holanda, Florestan Fernandes e Betinho (que buscaram o exílio como forma de garantir a própria sobrevivência e/ou existência – física, psíquica, ideológica etc.), buscou o exílio como quem procura um “ano sabático***” Em resumo: Serra não representava “perigo” para os militares e para a burguesia nacionais – isto explica a sua aliança com o DEM (inclusive na Prefeitura e no Governo de São Paulo) e outros partidos que comungam de ideais excludentes e exclusivistas – durante muito tempo resumidas como: “de direita”.
Dilma Rousseff não é santa, e nem está concorrendo à canonização. Não se pode em um País tão desigual como o nosso agir de forma equivocadamente moralista como fez o Nobel da Paz ao agraciar com essa honraria o hoje Presidente do Timor Leste – Ramos Horta – e o Bispo Dom Belo (1996): “por seu trabalho para uma solução pacífica e conjunta para o conflito no Timor Leste”. Excluindo da premiação o hoje Primeiro Ministro e Ex-Presidente do Timor Leste, o poeta-guerrilheiro Xanana Gusmão – porque pegou em armas contra a ditadura imposta pela Indonésia. Sem Xanana não teria ocorrido a vitória ali celebrada. Xanana foi tão importante para o Timor Leste quanto Nelson Mandela (Premio de 1993) para a África do Sul.
Dilma Rousseff participou da luta armada por acreditar na democracia popular. Foi presa, torturada, impedida de exercer direitos políticos durante toda a duração da ditadura. Sem precisar dos holofotes da ribalta Dilma vem ajudando o Brasil a construir uma Nação para os brasileiros – não apenas para os grandes interesses nacionais e internacionais. Um Brasil pra gente!
É possível construir um Estado voltado exclusivamente para as classes dominantes – FHC assim como os governos militares fizeram isso. Também é possível construir um Estado que faça “opção preferencial” – embora não exclusiva – “pelos pobres”; é isto o que o PT e seu arco de alianças vêm fazendo no Brasil, mas essa onda inclusiva não pode parar.

** Conceito de Jürgen Habarmas,
*** Forma de aperfeiçoamento acadêmico, redefinição de paradigmas ou estudo/pesquisa.