quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Aviso aos passageiros

Um dia desses me deparei com o seguinte texto afixado dentro do elevador de um edifício de consultórios médicos chique: “Aviso aos passageiros: Antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar.”
Achei muito oportuna a iniciativa daquele condomínio em zelar pela integridade física dos seus usuários. Apenas um detalhe curioso fazia da iniciativa algo sem sentido: o usuário para ler o aviso deveria estar dentro do elevador.
Na antessala do consultório médico para o qual me dirigi, enquanto aguardava para ser atendido, fiquei a pensar no “aviso”: Terá sido obra de um funcionário desatento do condomínio? O Sindico é fã do Amigo da Onça, imortalizado por Péricles? Seria pura falta de planejamento? Dei tratos à bola, sem encontrar uma resposta que me satisfizesse.
Conversando sobre o episódio com um amigo ele perguntou-me se eu não tinha mais o que fazer. A indagação do meu amigo trazia o seguinte sentido: somente um desocupado para gastar tempo pensando naquele aviso sem sentido.
Creio que muitos médicos consideram seus clientes desocupados ou com tempo menos valioso do que o deles, posto que uma consulta marcada para as 14 horas raramente começa antes das 15 horas – com sorte.
Pior ainda quando algum discípulo de Hipócrates resolve atender por “ordem de chegada”; com isto o Doutor tem mais possibilidades de manusear o tempo a seu favor – torrando a paciência de seus infortunados e desocupados clientes. Talvez ai resida a razão desses clientes serem tratados como: “pacientes”.
Alguém poderá dizer: “– Imprevistos acontecem”. É verdade, por isso são chamados de imprevistos, mas quem marca clientes a cada 15 minutos e sempre atrasa no horário do atendimento do primeiro cliente, parece ser bem previsível.
Infelizmente tais abusos da paciência alheia não são prerrogativa dos médicos. Alguns juízes, cabeleireiros, policiais, professores, empresas de telefonia também estão no rol dos que têm descaso com o tempo alheio. Se você duvida, tente cancelar uma linha telefônica ou fazer um BO dando conta da perda de algum documento.
Affonso Rommano de Sant’ Anna tem uma crônica preciosa sobre aqueles que atrasam e aqueles que esperam. A um dado momento o autor diz que “a pessoa que espera está coagulada num instante [...]. Será que aqueles que se fazem esperar à-toa têm o objetivo de ver o tempo coalhar tendo-nos como a cereja do bolo?
É certo que se o tempo é uma invenção do demônio, o escárnio com o tempo é uma ação humana, frequentemente praticado por quem não considera o outro como legítimo outro na relação. Talvez falte aos esbanjadores do tempo alheio a noção de que nesta nave planetária chamada Terra, somos todos passageiros.
Caberia nas nossas certidões de nascimento um trecho assim: Aviso aos passageiros: Doravante tudo é passageiro. O problema será se algum parlamentar – depois de uma longa tramitação no Congresso Nacional – conseguir aprovar uma emenda que insira o tal aviso apenas nos atestados de óbito; ou seja: dentro do elevador.