terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Sequisu na volta

Creio que um lado bom da vida é privar, em algum momento, da companhia de bons contadores de história. Na juventude sentia uma atração especial por eles. Estavam sempre cercados de admiradores e discorriam sobre os temas mais diversos com sucesso.
O envelhecimento, infelizmente, não nos torna todos bons contadores de história. Porém, caso isto fosse verdade seria um desastre, pois quando dois contadores de história se encontram o clima de peleja está instalado e não sobra espaço na conversa para mais ninguém.
Ivonete foi minha colega – quase uma preceptora – no início da minha carreira de professor. Ivonete era professora de língua portuguesa – das boas. Para complementar o orçamento doméstico minha amiga compunha bancas de correção de redação nos exames vestibulares de ingresso às universidades.
Quem já exerceu a atividade docente sabe o quanto é complexo corrigir textos ou orientar monografias. Na orientação se deve ter o cuidado de não tomar a autoria da monografia que pertence ao aluno. Porém, nas correções, o trabalho do docente pode ir da identificação do erro à indicação da superação do problema.
Ivonete, corrigindo as redações em concursos, não tinha nenhuma das duas possibilidades; precisava, isto sim, avaliar e pontuar as peças dos candidatos. Ao final de cada correção Ivonete fazia um pequeno “manual” contendo as inconsistências encontradas, o que depois era motivo para uma noite de conversa. Entre goles de vinho e petisco, Ivonete e outros colegas relatavam-nos “pérolas” encontradas durante a correção. Em certo ano minha amiga brindou-nos com a forma revolucionária como um candidato discutiu as questões de gênero, para ele: “verdadeira guerra de sequisu”. Na mesma roda, outro colega contou que um candidato ao discutir a violência urbana relatou que: “isto é culpa dos recursos humanos, pois a polícia prende e esse pessoal solta”.
Outro amigo de noitadas agradáveis é o Mário. Hoje assessor parlamentar, mas com larga experiência anterior – em campos que vão da música à advocacia, com uma breve passagem pelo México como exilado político – Mário é daquele tipo que sempre tem uma memória interessante a dividir com os amigos.
Numa roda de conversa de fim de tarde em Brasília contei – tentando ser fiel ao relato – a experiência da Ivonete, fazendo friso especial sobre a “guerra de sequisu”. Mário embalou logo uma história do tempo em que foi apresentador de programa de auditório na Bahia. Contou-nos que certo calouro ao ser colocado diante do microfone disse que iria interpretar “de sua autoria, dele mesmo, a canção Volte de ré pra traz meu amor”. Segundo Mário, o sujeito explicou à produção do programa que se tratava de uma referência ao amparo amoroso que deve ser dado pelo homem à mulher, que arrependida por tê-lo deixado, pede para voltar.
Como não sou bom contador de histórias fico, no máximo, matutando. Será que importa ao distinto saber escrever sexo para atuar bem na fita? Talvez haja bons escribas que só conseguem fazer um sequisuzinho meia boca. Por outro lado, talvez falte a alguns amantes a inovação de tentar apagar tropeços do passado – ou, quem sabe, reinventar o presente – com um sensual apelo à vida para voltar de ré pra traz; pois o amor se alimenta de gestos, não de gramática.