segunda-feira, 6 de julho de 2009

DESCARTE OU MORRA

Num mundo cada vez mais movido por referências de consumo e valores ditados pelo mercado é fácil ser descartado. Ficar obsoleto é cada dia mais comum e não precisa fazer esforço, basta deixar o tempo correr. Na sociedade do imediatismo difícil é envelhecer, criar raízes, dar bons frutos, coisas consideradas do passado (das antigas ou, das antas – como dizem as amigas adolescentes da minha filha mais nova).
Como desenvolver projetos de longo prazo quando o amanhã é hoje? A durabilidade dos produtos deixou de ser característica desejável ou, no mínimo, esperada pelo consumidor. O pior disso, é ver o quanto as pessoas estão se acostumando ao padrão do descartável.
Impressoras, aparelhos celulares, assistência médica (leia-se planos de saúde), serviços de atendimento ao consumidor (estes, feitos para consumir paciência) são alguns dos produtos e serviços que parecem ter se especializado em ter vida curta ou nem sempre não funcionarem quando mais se precisa deles.
Boa parte dos Estados contemporâneos está às voltas com o combate à pirataria. O que não parecem é estar preocupados com a baixa durabilidade de vários dos produtos “autênticos”, nacionais ou importados. A onda nos R$ 1,99 (na verdade 1 dólar) dos anos 1990 (produtos aparentemente baratos devido a sua baixa qualidade e reduzido custo de mão de obra) parece ter se estendido por boa parte da economia.
Por outro lado, sem sombra de dúvida é muito prático usar barbeador e isqueiros descartáveis, fralda descartável (e a sua pavorosa versão geriátrica), absorventes etc. Mas fica a questão (excluídos os absorventes – nada de “paninhos”): por quê precisamos dessa praticidade em qualquer situação? Em certas ocasiões a praticidade é sumamente funcional e até necessária, mas será que as crianças só devem usar fraldas descartáveis? Por que substituir barbeadores e isqueiros convencionais por descartáveis quando não se está em viagem, fora de casa, ou simplesmente porque acabou o gás (ou fluído) ou perdeu-se uma das partes do aparelho de barbear mecânico? Mesmo as mentes mais ecoxiitas costumam não encontrar respostas para isso.
Usamos produtos descartáveis ou aceitamos a baixa qualidade ou durabilidade de outros porque fomos convencidos de que está é a melhor opção de vida. Um estilo de vida a ser copiado mundo a fora. Algo como: “é assim mesmo”. Paradoxalmente, ainda usamos velhos chavões (pois já não representam necessariamente valores) de que “é preciso investir em ética e produzir bens e serviços com esmero”. Não há conciliação entre fazer as coisas aligeiradas ou com respostas pré-estabelecidas (experimente perguntar algo fora do receituário numa amena conversa em um call center e verá o resultado) e produzir resultados eficazes, duradouros, ecologicamente respeitáveis. É como se, de repente, o famoso jeitinho brasileiro [ou se preferirem a Lei do Gérson (“Gosto de levar vantagem em tudo. Certo?!) tivesse virado mania mundial (e sem nos pagar royalty).
Certo dia um pedinte, diante de uma farmácia, pediu a um amigo que lhe comprasse um pacote de fraldas descartáveis para a filha. Meu amigo esbravejou que isso era um absurdo, pois quando era criança – e pobre – havia usado (ele e toda a parentela) fraldas de algodão. E disse mais: “– Se ao menos fosse leite ou remédio, mas fralda descartável. É um abuso”.
Com frequência escuto críticas ao hábito de alguns políticos de não agirem com ética, honestidade e respeito à Nação. Há os que esbravejam que “político é tudo igual” ou que a CPI do momento vai “acabar em pizza”.
Vejo com indignação a atitude excludente do meu amigo em relação ao mendigo e do povo em relação aos políticos. Será coerente estimularmos o nascimento dos “sem-fralda descartável”? E os políticos, numa sociedade que convive tão bem com produtos de baixa durabilidade e/ou descartáveis, também não estão no “seu direito”? Como somos incoerentes.