Na última semana participei de uma reunião onde o mote principal era a leitura de jornais impressos. Todos os convivas participam de uma lista de discussão na Internet.Tratamos da relação entre o leitor e texto na mídia impressa e nas mídias eletrônicas. Discutimos conteúdo de colunas e tablóides; a relação do leitor com os órgãos de imprensa; os dias de maior vendagem dos jornais etc. Foi uma reunião profundamente agradável.
Há um dado momento, começou-se a falar num fato recente da história brasileira: o caso Cesare Battisti. Um dos interlocutores elogiou a argumentação de um outro (na lista), alegando que o elogiado havia tratado o caso que envolve a não extradição de Batisti com racionalidade. Neste ponto da conversa, um terceiro conviva referiu-se elogiosamente à participação de um quarto parceiro na tal lista (este ausente à reunião). Neste momento, o primeiro elogiado fez questão de salientar que as manifestações do quarto (o ausente) eram prejudicadas por um viés ideológico.
Finda a narrativa, proponho-me a discutir com o leitor o conteúdo simbólico das adjetivações usadas para definir o conteúdo da argumentação dos dois falantes. A um dos falantes foi atribuída uma manifestação racional e ao outro, uma fala ideológica. Partilho do pensamento dos que não consideram a ideologia como falseamento da realidade, sendo, isto sim, um modo de defender determinada posição com ênfase; levando tal perspectiva às últimas consequências. Desse modo, considero ser incorreto considerar que o pensamento ideológico é irracional, o que não implica em concordância ou discordância implícita com qualquer manifestação.
Recentemente conversava com um colega e fiz uma referência a Humberto Maturana, ao que o meu interlocutor asseverou ter restrições ao autor chileno, pelo fato de identificar nos seus adeptos posição que beira ao fanatismo. Concordo com essa interpretação, mas continuo respeitando a produção de Matura.
Lanço mão de Maturana pelo fato daquele autor fazer questão de expor que não há oposição entre razão e emoção. Segundo ele, razão é uma emoção, no sentido de expressar um movimento da mente humana. Partindo desse princípio, não há oposição entre razão e ideologia, posto que uma posição ideológica é antes de tudo movimento leitor; uma interpretação; uma explicação possível da realidade – assim sendo, uma expressão racional.
No final do regime militar brasileiro era comum ouvir-se políticos da situação classificarem as greves como atitudes políticas. Ora, as greves são manifestações políticas, mas isso não significa que por isso tenham menos valor do que uma romaria ou uma parada militar. Quem propõe uma greve o faz motivado por emoções/raciocínios que para estes possuem uma lógica fundante. Uma greve está ancorada em pressupostos ideológicos, do mesmo modo que o combate aos grevistas obedece a outra linha ideológica.
Ainda nos depararemos com ácidos enfrentamentos acerca do caso Battisti e ao final vencerá uma posição ideológica e como tal fundada num modo de ler a realidade, a isso chamamos de racionalidade.
No fundo, quando alguém considera uma posição, por ser ideológica, de irracional está salientando que pensa diferente, logo, também sendo ideológico.