quinta-feira, 28 de maio de 2009

Enceradeira de bunda

Confesso que não entendo os motivos para alguém não gostar de chuva em dias de domingo e feriados – exceção para as trombas d´água. Sei que a chuva tem por hábito mudar as programações de lazer da gurizada (notadamente as das classes médias), mas, com alguma criatividade, o dia pode ser divertido. Pena que os pega-varetas estejam fora de moda.
Chuva na telha e uma vontade doida de vadiar. Foi assim que começou o domingo. Nada de dilúvio, apenas a gostosa chuvinha que vem-e-vai, trazendo consigo o prazer de vê-la e escutá-la (para os mais afoitos, de senti-la caindo no cocoruto – tipo assim: banho de bica).
Quando criança, diziam lá em casa que dia de chuva era ocasião de faxina no céu. Era a turma do andar de cima lavando a casa celeste. E os trovões, era São Pedro fastando os móveis (coisa igual ao que se fazia cá embaixo com muita frequência – as vezes, lá sobradão da vovó, até demais).
Hoje, ermitão, prefiro ler o jornal (quando a chuva e o jornaleiro deixam). Nesses dias, deixo de lado as notícias e vou direto para os encartes de propaganda. Existe coisa melhor do que olhar encarte – principalmente pra não comprar? Ver qual o remédio em promoção esta semana. Comparar o preço da cafeteira italiana anunciada com a que comprei na semana passada. Ver anúncio de fantasia de carnaval para cachorro (de cigana, Aladin, Peter Pan e havaiana); é mole?! Também vale a pena conferir as ofertas de celular e até as de sensor de para estacionamento de carro. Tudo estímulo ao consumismo; fetiches, segundo o velho Marx, mas bons de apreciar num dia de chuva – bem agasalhado e bebericando um Bourbon.
Sei que todas essas coisas são pequeno-burguesas, mas e daí? Ser politicamente correto 24 horas é um porre. Ninguém precisa comprar as fantasias (principalmente se não tem cachorro); embora um amigo meu tenha comprado a de cigana pra cadela da sogra dele (e, segundo me confidenciou, porque não encontrou uma de Madame Min). Conferir o preço da Vitamina C pode ser uma boa precaução no pré-carnaval, mas o melhor de tudo é se deliciar em ver os anúncios. Somente para as espíritos críticos em tempo integral gastam tempo em avaliar, ali, a sociedade de consumo e seus apelos.
Lá fora, ouvi a algazarra da meninada. Depois de uma boa meia hora satisfiz a curiosidade e fui ver do que se tratava. Eram quatro guris, duns doze anos cada, brincando de escorregar de barriga na calçada molhada. A alegria dos meninos era contagiante – não fosse a preguiça teria pedido-lhes para participar da folia.
Voltando para a sala lembrei das brincadeiras de criança. Assoalho de tábua corrida ou mosaico de cimento colorido, enceradeira quebrada, e a mãe esperando visitas. Solução: um menino sentado no pano e outro puxando, até a casa ficar brilhando.
Saciado de boas lembranças, troco os anúncios por um livro. Ponho Strauss na vitrola (nada de CDs). Sirvo-me de outro Bourbon e de charuto para arrematar. Sim, porque segundo o Falcão, “a burguesia fede, mas tem dinheiro pra comprar perfume”. Ah, e pode continuar a chover.