Há poucos dias tive o prazer de participar de um debate televisivo (Cena Pública – 20/10/2009 – TVCeará/TVC) como o Secretário de Segurança Pública e Defesa Social do Ceará – Roberto Monteiro. Digo prazer (sem mesuras) pela oportunidade de desfrutar da afabilidade, elegância e erudição daquele agente público (coisa rara no meio em que transita o Secretário).
Por conta da manifestação do jornalista Valdemar Menezes (Editor Sênior de O POVO) fomos introduzidos no debate acerca dos motivos da manutenção do Sr. José Armando Costa na condição de Corregedor Geral dos Órgãos da Segurança Pública do Ceará. Para o jornalista a manutenção do Corregedor é uma decisão política, enquanto que para o Secretário a referência é exclusivamente de natureza jurídica [visto que à época dos fatos imputados ao Corregedor (anos 1960 e 1970) inexistia o tipo jurídico tortura (art. 1º da Lei n° 9.455/1997].
Segundo notícia publicada na edição de 24/07/2009 de O POVO (Disponível em www.http://direitoce.com.br. Consultado em: 27/10/2009, às 17h25min) a Associação 64/68 Anistia e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República pugnam pela exoneração do Corredor Geral devido a sua participação nos porões da ditadura militar no período compreendido entre 1964-1985.
Vale à pena ter-se em mente alguns fatos recentes antes de nos manifestarmos pró ou contra as teses de Valdemar Menezes e Roberto Monteiro:
1. General argentino Jorge Oliveira Róvere foi condenado à prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade praticados durante a ditadura militar em seu país entre 1976 e 1983 (O POVO, 24/10/2009, p. 31);
2. A juíza Yeeda Christina Salles decretou a prisão preventiva do Cap. Denis Leonard Nogueira Bizarro e do Cabo Marcos de Oliveira Salles por terem sido flagrados por câmaras de segurança abordando suspeitos no assassinato do Coordenador Social do grupo AfroReggae (O Povo, 24/10/2009, p. 30);
3. O Governador do Rio de Janeiro exonerou o Major Oderlei dos Santos Alves de Souza da função de Relações Públicas da PM/RJ por ter afirmado à imprensa que seus colegas (supracitados) haviam cometido “apenas desvio de conduta” (O Povo, 24/10/2009, p. 30.
A Lei define como tortura: constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental (art. 1º, I, “a” da Lei n° 9.455/1997). Diz ainda esta norma jurídica que aumenta-se a pena de um sexto até um terço, se o crime é praticado por agente público (art. 1º, parágrafo 4º, inciso I da Lei n° 9.455/1997). E que este crime é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (art. 1º, parágrafo 6º da Lei n° 9.455/1997). Observe-se que a questão pautada pelas entidades de Direitos Humanos não diz respeito a perda de direitos, prisão, assunção de cargo eletivo ou obtido mediante concurso, mas à manutenção de cargo demissível ad nutum, isto é pela vontade do seu superior. Assim, em que pese a cultura jurídica do Secretário, tenho que concordar com o Jornalista: estamos diante de uma decisão política.
Desde os primeiros dias de novembro estamos acompanhando as trocas de farpas entre policiais civis cearenses envolvendo a suspeita de tortura sofrida por Otacílio Siqueira Júnior (acusado de crimes de roubo de veículo e tentativa de homicídio de uma Delegada e sua família) nas dependências de uma delegacia de polícia em Fortaleza. Diante desses fatos, é impossível a este escriba não lembrar do flagrante realizado por comissões de Direitos Humanos, nas dependências da Delegacia de Roubos e Furtos, em Fortaleza, nos anos 1990, onde um suspeito foi encontrado enrolado num carpete e amarrado por fios elétricos.
Embora seja discutível a ausência de instrumento legal à época do regime militar que asseverasse sobre o crime de tortura, posto que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), da qual o Brasil é signatário, já a considerasse postura inaceitável (art. 5º). O que se tem em mãos é um caso onde pesa sobre o Corregedor a acusação de prática de convivência com um dos crimes mais abjetos, a tortura. Assim, fica a pergunta: quem é acusado de um crime tem isenção para dirigir procedimento para apurar a responsabilidade de outrem em crime semelhante ao que lhe é imputado?
Lembrando a Roma de 60 a.C.: “não basta que a mulher de Cezar seja honrada, é preciso que sequer seja suspeita”.